PASSIONAL: Da paixão ao crime – quem ama pode matar?



Uma das causas motivadoras da existência de vários homicídios tem como origem situação relacionada ao poder da posse exagerada existente entre as pessoas. O ser humano é criado vivendo em função da posse e da propriedade, o que, para o direito civil, são fatos completamente diferentes, pois nem sempre quem tem a posse possui a propriedade. Para o direito, a posse pode estar relacionada a algo puramente momentâneo, já propriedade implica em uma situação de ser “dono” (legítimo possuidor) de algo. O problema consiste em que as pessoas querem se tornar proprietárias umas das outras, como se fossem simples objetos e procuram determinar comportamentos e impedimentos, sufocando-as dentro dos seus próprios mundos, manipulando-as ao seu próprio prazer pessoal. A realidade é que existem homens e mulheres que “sufocam” uns aos outros, quer por ciúme exagerado ou manipulação de comportamentos, fazendo surgir ações e reações de violência que desgastam relações e sentimentos. Pessoas que alteram o seu modo de agir em razão de um novo relacionamento, afastando-se do convívio dos amigos, dos hábitos do cotidiano, do modo de se vestir etc., tudo por conta da “paixão”. Essas pessoas ficam cegas, surdas, tornam-se inimigas de todos aqueles que por ventura venham a lhe aconselhar a terminar aquele “perigoso relacionamento”. Não adianta falar, aconselhar, brigar, pois um indivíduo apaixonado se torna quase sempre irracional.

A paixão é uma excitação sentimental levada ao extremo, de maior duração, causando maiores alterações nervosas ou psíquicas (cf. Antônio Gomes Penna, Introdução à motivação e emoção, p.113). Nelson Hungria, citando Kant em uma das suas obras, já afirmava que a paixão é o “charco que cava o próprio leito, infiltrando-se paulatinamente no solo (…) é um estado de ânimo ou de consciência caracterizada por viva excitação do sentimento”. Freud diz, quando se trata de emoção: “Não somos basicamente animais racionais, mas somos dirigidos por forças emocionais poderosas, cuja gênese é inconsciente”.  – “A emoção pode apresentar tanto um estado construtivo, fazendo com que o comportamento se torne mais eficiente, como um lado destrutivo; pode ainda fortalecer como enfraquecer o ser humano. E as emoções vivenciadas pelo ser humano podem ser causas de alteração do ânimo, das relações de afetividade e até mesmo de condições psíquicas, proporcionando por vezes, reações violentas, determinadoras de infrações penais”. (cf. Guilherme Nucci, Código Penal Comentado, p.268). Assim, ainda que este sentimento possa intervir na vontade e até mesmo no raciocínio de um indivíduo, não exclui a culpabilidade pela ação criminal praticada.

Homens e mulheres que não aceitam perder as suas paixões cometem homicídios bárbaros noticiados nos meios de comunicação. O assassinato movido pela paixão ocorria com mais frequência nas culturas antigas, onde predominava a ideia de propriedade do homem sobre a mulher. Apesar desse conceito já ter sido abolido, os crimes passionais continuam ocorrendo todos os dias e alcançam repercussão pelo fato de envolverem pessoas da considerada alta sociedade. Por sua vez, o Código Penal estabelece no artigo 28, inciso I, que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal, em outras palavras, a culpa do ato de um crime passional permanece. Explicar essa conduta torna-se uma tarefa bastante árdua. O que leva as pessoas a destruírem aquele ou aquela que é o objeto do seu desejo, ou às vezes se vingar de alguém que está próximo e querido dessa pessoa? A resposta está ligada ao fato de que esses homicidas passionais são desprovidos de amor próprio e acreditam que, a partir de um abandono, sua vida perdeu o sentido. É importante salientar que o amor e paixão não se confundem, muito embora sejam termos equivocadamente utilizados como sinônimos.

No século XIX, em particular no ano de 1873, um desembargador – José Cândido Pontes Visgueiro – “matou Maria da Conceição, de quem estava apaixonado, motivado pelo ciúme e pela impossibilidade de obter a fidelidade da moça, que era prostituta”. A defesa de Pontes Visgueiro, arguiu a tese de “desarranjo mental” causado pelo “mais violento ciúme inspirado por uma mulher perdidíssima” (o caso Pontes Visgueiro pode ser encontrado na íntegra no livro A Paixão no Banco dos Réus, de Luiza Nagib Eluf). Entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça, por unanimidade, afastou a tese da defesa, acolhendo o homicídio agravado, considerando que o crime havia sido praticado com abuso de confiança e surpresa. (Código Criminal do Império, artigo 192. Matar alguém com qualquer das circunstâncias agravantes mencionadas no art. 16, ns. 2, 7, 10, 11, 12, 13, 14 e 17. Penas: Máximo – Morte; Médio – Perpetua; Mínimo – 20 anos de prisão com trabalho.)

Muitas dessas tragédias poderiam ser evitadas, se não fosse a cegueira aparente dos envolvidos que não souberam ouvir a velha frase do escritor Ernest Hemingway autor do “Velho e o Mar” quando defendia “razão antes do coração”. Por outro lado, não me lembro onde, li uma frase que dizia: “Não sei se a morte é maior que a vida, só sei que o amor é maior que os dois”.

*Osvaldo Emanuel A. Alves é professor de Direito Penal e advogado criminalista em Salvador-BA

Fonte: Site A Queima Roupa/BA

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